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Saídas temporárias, pandemia e criminalidade;

  • Jeferson André
  • 22 de ago. de 2023
  • 3 min de leitura

A ordem pública está em risco (?)

Por Dr. Jeferson André




A saída temporária é um assunto sempre polêmico, sobretudo em razão das matérias jornalísticas publicadas sobre o tema. Aqui mesmo, já publiquei um texto sobre a banalização da saída temporária e a militância midiática de caráter punitivista. Casos como o de Suzane Von Richthofen, são sempre usados para criticar o instituto das saídas temporárias.


A saída temporária é um instituto da execução penal que permite ao preso, em cumprimento de pena (permanente ou provisória), sair da prisão em determinadas circunstâncias. A modalidade mais conhecida de saída temporária é a VPL (visita periódica ao lar). Nessa modalidade, o apenado sai em determinados feriados para visitar a família, ficando até sete dias com sua família e retorna ao final desse período. Assim, segundo a legislação de execução penal, a prisão cumpre seu fim progressivo e ressocializador.


O argumento que geralmente é utilizado para justificar essa resistência à concessão dos direitos de saída, é que os presos cometerão mais crimes e, com isso, a ordem pública estaria mais vulnerável. Contudo, como o discurso punitivista popular é autorreferenciado, ou seja, se vê desobrigado a apresentar justificações, não costumamos ver nessas matérias que se opõem às saídas temporárias, nenhum tipo de dado estatístico ou estudo que justifique tal discurso.


No início da pandemia (2020) a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, conseguiu, em um habeas corpus coletivo, suspender o retorno dos presos que estavam em regime semiaberto e haviam conquistado o direito de saída temporária.


O pedido se deu por caráter exclusivamente sanitário: o risco que o retorno dessas pessoas ao sistema prisional pode acarretar, considerando a pandemia do coronavírus, de modo a evitar a sua propagação dentre os que estão privados de liberdade. Após conceder a liminar, a 1ª Câmara Criminal determinou que a Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP) apresentasse um plano de retorno dos presos, que incluísse todas as medidas de segurança. O plano foi apresentado, contudo, era vago e impreciso, não indicando critérios de controle epidemiológico e adoção de medidas mínimas de prevenção. Com isso, o Tribunal estendeu os efeitos do habeas corpus.

Hoje o Estado do Rio de Janeiro tem mais de seis mil presos do semiaberto em prisão domiciliar.

Dito isto, vamos aos argumentos que alimentam toda a militância contra as saídas temporárias. Gostaria de propor um confronto com alguns dados, mesmo que os punitivistas nunca tenham apresentado qualquer estudo para fundamentar seu discurso.

Em recente estudo, publicado em abril de 2021, o Instituto de Segurança Pública (ISP) informa que, mesmo durante a pandemia, vem se mantendo a queda em determinados crimes.


Segundo a pesquisa, os homicídios dolosos vêm sustentando a queda de 12%, já os crimes de roubo de carga caíram 33% no ano de 2020. A pesquisa ainda salienta, que esse tipo de crime começou a apresentar queda em 2018, e vem mantendo um ritmo decrescente mesmo durante a pandemia.


Já os crimes de roubo à transeuntes e de celular, caíram significativamente desde o início da pandemia. Conhecidos como crimes de oportunidade, a análise desses crimes parte da teoria das atividades rotineiras, que sugere que as variações no número de crimes são explicadas pelas diferentes maneiras pelas quais se relacionam infratores, vítimas e sistemas de vigilância. Isso se explica a partir das políticas de distanciamento social. Com a diminuição de pessoas nas ruas ou em lugares públicos, há uma diminuição das oportunidades em que se possibilitaria o cometimento desse tipo de crime.


Pesquisas como essa, realizada pelo ISP (no Rio de Janeiro), também foram feitas em outros países por diferentes pesquisadores, como David Abrams, que realizou o mesmo estudo em 25 cidades estadunidenses, e Tarah Hodgkinson, que realizou a pesquisa em Vancouver, no Canadá.


Como se pode ver, as políticas progressivas de cumprimento da pena não afetam de maneira negativa os índices de criminalidade, como muitos gostam de afirmar. Ao contrário do que se diz, tais políticas têm sim afetado a sociedade (presa e liberta), mas de forma extremamente positiva. Além de conter a transmissão da covid-19 dentro das prisões, que já vivenciam situações de extrema insalubridade, a suspensão do retorno desses apenados tem promovido ganhos no estado de saúde emocional, bem como fortalecido seus laços afetivos. Com isso, aumenta-se nos presos a sensação de inserção na sociedade.


A pergunta que fica é: Como isso poderia pôr em risco a ordem pública?


* Jeferson André é Advogado Criminalista e membro da Comissão de política criminal e penitenciária da OAB/RJ

 
 
 

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